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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Injustiçado, teatro besteirol ganha peça e exposição em São Paulo

Pesquisador considera que gênero não foi reconhecido como deveria

“Não é que eu só admita a comédia, mas juntar muitas pessoas num teatro e não ouvir um único riso? Isso me parece um desperdício de vida”, declarou certa vez o dramaturgo mineiro Vicente Pereira à atriz Maria Padilha. E essa parece ter sido mesmo a filosofia profissional desse que foi um dos principais representantes do que ficou conhecido como teatro besteirol, o qual tomou de assalto os palcos brasileiros no início dos anos 80, revelando nomes como Mauro Rasi, Miguel Falabella, Guilherme Karan, Diogo Vilela, Jacqueline Lawrence e Duse Nacaratti, entre tantos outros.

Um dos espetáculos mais aclamados de Vicente Pereira foi “Solidão, a Comédia”, um solo de cinco histórias que ganhou a primeira montagem em 1990, estrelada pelo próprio dramaturgo, com direção de Jorge Fernando; e a segunda, no ano seguinte, com atuação de Diogo Vilela, dirigido por Marcus Alvisi. Agora ele retorna aos palcos, no caso do Teatro NeXT, em São Paulo, com interpretação de Mauricio Machado, direção de Claudio Tovar e com sessões às sextas e sábados, às 21h, e aos domingos, às 20h, até o próximo dia 27.

Serviço

Solidão, a Comédia.
Sessões às sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 20h. Até 27 de novembro. Ingressos de R$ 40 a R$ 50.
Teatro NeXT – Rua Rego Freitas, 454. República. T: 3237-1845.

Mauricio Machado prova ser um ator bastante versátil e conquista os espectadores ao dar vida a cinco personagens marcados pela solidão. O primeiro deles é um homem, para lá de antiquado, que aguarda a chegada da amada a uma sala de cinema, enquanto tenta identificar o filme que passa na tela. O segundo, e talvez o melhor deles, é uma antiga prostituta, que tenta encontrar pelo telefone algum de seus ex-clientes. Há ainda um metrossexual, que não deixa a esposa trancada no banheiro falar; a garota que é alcoólatra, mas tenta não dar bandeira para uma nova conquista; e uma senhora que serve como acompanhante de uma doente em estado terminal e parece não aceitar o estado atual da mesma.

O mais incrível é que damos risadas de todos esses tipos, para, logo em seguida, nos identificarmos e sofrermos com eles, algo que só as melhores comédias são capazes de proporcionar. Basta lembrar o caso de Charlie Chaplin, Buster Keaton, Os Três Patetas e O Gordo e o Magro, entre outros. Portanto, se a crítica especializada dos anos 80, foi incapaz de compreender a força dramática e humorística desses espetáculos, taxados, com boa dose de preconceito, de besteirol, hoje eles começam a ser revistos e finalmente valorizados pelo que possuem de melhor.

Acompanhando o espetáculo, é possível conferir a exposição “Assim Era o Besteirol”, organizada pelo pesquisador Luís Francisco Wasilewski, a respeito do teatro besteirol, com pastas de fotos, artigos de jornais, algumas peças na íntegra e depoimentos de vários artistas envolvidos com esse movimento vistos por um televisor, além de cenas dos espetáculos “Pedra, a Tragédia” e “Quem tem medo de Itália Fausta?”. Há também frases de Miguel Falabella espalhadas pelas paredes.

"Acho que a alegria é sempre discriminada e, principalmente, no momento em que vivemos. Nós vivemos em um momento de transição de um mundo violento. Eu me lembro que nos meus primeiros anos de grupo eu era um alienígena. Eu era uma pessoa olhada como um débil mental, porque eu gostava de rir, gostava de comédia", disse Falabella para a dissertação de mestrado de Wasilewski, na Universidade de São Paulo. O próprio Falabella, aliás, reconhece que para compreender esse tipo de espetáculo era preciso ter boa bagagem cultural. Também era preciso estar aberto para ótimas tiradas como “agenda de puta é fatalidade”, presente em “Solidão, a Comédia”.

Leia a seguir uma entrevista com o curador da exposição e pesquisador do besteirol Luís Francisco Wasilewski.

Como surgiu a ideia de organizar essa exposição com a nova montagem de “Solidão, a Comédia”?
Tudo começa no dia 13 de setembro de 2010. Após uma leitura de "Tietê, Tietê", peça escrita pelo meu amigo Alcides Nogueira, fomos jantar em um grande grupo no restaurante Paris 6. Tide (é como os amigos chamam Alcides) me apresentou a Mauricio Machado, que havia participado da leitura. Mauricio ficou sabendo que eu estava prestes a lançar um livro sobre Vicente pela Coleção Aplauso e viu que eu conhecia a história do teatro besteirol e teve a ideia da exposição. Fui eu que a batizei de "Assim Era o Besteirol", uma homenagem clara aos filmes "Assim Era a Atlândida" e "Assim Era Hollywood". Afinal, se há algo que o besteirol reverenciava era o humor e o cinema.

Você acredita que finalmente o teatro besteirol passa a ter sua importância para o teatro brasileiro finalmente reconhecida?
Não. Sua importância não foi até hoje reconhecida. Uma grande culpa está nas faculdades de Teatro que ensinam História do Teatro Brasileiro e passam pela década de 1980 sem mostrar para os seus alunos a importância do movimento. Hoje, você encontra várias teses e dissertações na área de teatro sobre vários grupos e autores da década de 1980 e 1990. Sobre o besteirol são poucos e seus autores sempre foram muito discriminados por boa parte do meio universitário. Esse descaso aconteceu também com os Dzi Croquettes, cuja importância histórica só foi descoberta após o excelente documentário de Tatiana Issa e Raphael Alvarez sobre o grupo.

Quais são os principais elementos que caracterizam o teatro besteirol e por que ele foi tão mal compreendido por parte da crítica no início dos anos 80?
Ele se caracterizava, grosso modo, por um gênero teatral onde duplas de atores encenavam esquetes que satirizavam a sociedade da época ou parodiavam livros, filmes e peças teatrais. Eram peças dotadas de um humor ferino. Miguel Falabella, quando concedeu a entrevista para a minha dissertação de mestrado sobre o teatro besteirol, disse-me que enxergava um componente "gay" nos espetáculos. Ele fez em seu depoimento uma aproximação do besteirol com movimentos como a La Movida Madrileña, do Pedro Almodóvar, e a Ridiculous Theatrical Company, do Charles Ludlam. Ludlam foi o autor de "O Mistério de Irma Vap", um dos maiores sucessos da história do teatro brasileiro, representado aqui por Marco Nanini e Ney Latorraca. Com relação aos problemas com a crítica, já faz parte da história do teatro ocidental o desprezo pelo gênero cômico. Você vai encontrá-lo em Aristóteles, Machado de Assis e muitos outros críticos. Até bem pouco tempo atrás, até a Neyde Veneziano fazer o seu mestrado sobre o assunto, o teatro de revista também era um gênero ignorado. Hoje, é "cult" estudar teatro de revista. Provavelmente, daqui a 40 anos será "cult" estudar o besteirol. Mas devemos também fazer uma justiça. Barbara Heliodora foi sempre uma grande defensora do gênero.

Quais você considera os maiores destaques da exposição?
Gosto das fotos, especialmente, Falabella e Karam em "Sereias da Zona Sul". Mas Maíra Knox (a diretora de arte) e eu tivemos uma ideia que no Rio fez muito sucesso, que foi a árvore genealógica do teatro besteirol. Através das ramificações, vamos vendo como o movimento se relaciona com artistas que não atuavam ou escreviam as peças do gênero caso, por exemplo, de Ney Matogrosso e Caio Fernando Abreu. O que referenda ainda mais a importância de se contar esta história.

Como você avalia essa nova montagem de “Solidão, a Comédia”, em relação às duas anteriores?
Eu não vi a montagem em que Vicente fazia as cinco personagens. Vi a de Diogo. A montagem atual optou pelo minimalismo cênico com cenários menores. Ela também está sendo encenada em um espaço bem intimista que é o NeXT.

No que o teatro de Vicente Pereira se difere do de outros companheiros de besteirol, como Miguel Magno, Pedro Cardoso, Mauro Rasi e Miguel Falabella?
De todos os citados, Vicente era sempre o mais melancólico. Acho que por isso resolvi estudá-lo mais a fundo. Suas peças tem humor, mas, ao mesmo tempo, são muito tristes. Eduardo Dussek, na entrevista que me concedeu para o Mestrado, decifrou o teatro de Vicente. Ele citava, especialmente, "Solidão, A Comédia", dizendo que o "O Besteirol ria da própria desgraça". Como desde criança aprendi a rir da minha desgraça, vi este elo de identificação meu com o teatro e a pessoa de Vicente. Miguel Magno, por exemplo, com quem tive o privilégio de conviver durante três lindos anos, era um comediante espetacular que, na intimidade, também ria de sua desgraça. Mauro era um escritor mais mordaz. Falabella e Pedro Cardoso aparecem depois como escritores. Pedro, que fazia dupla com Felipe Pinheiro, gostava especialmente de satirizar o cotidiano. As peças da dupla eram crônicas sobre os costumes cariocas. Miguel Magno e Ricardo sempre voltaram a sua escrita para o deboche do próprio teatro, gostavam de parodiar as grandes atrizes do teatro brasileiro.

O que você diria para quem nunca ouviu falar em besteirol a fim de convencer a ver esse espetáculo e a exposição?
Penso que o besteirol é um movimento teatral injustiçado historicamente e a exposição tem o propósito, justamente, de oferecer ao público um pouco da história dele. Programas como “TV Pirata”, que era escrito e interpretado por artistas do gênero, fazem sucesso até hoje, seja nas reprises do Canal Viva, seja através do Youtube.

guibryan1@redebrasilatual.com.br

Fonte: REDE BRASIL ATUAL

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